quinta-feira, 14 de março de 2013

CONTO DE ENIGMA


O MISTÉRIO DO SOBRINHO PERFUMADO

Este caso, que Zezinho Sherlock também esclareceu com a maior facilidade, começou num sábado à tarde. Mas o nosso herói só soube dele no domingo, quando foi visitar o tio, o delegado Orlando Quental, chefe do Departamento Especial da Polícia. (...)
- O que foi que aconteceu, desta vez?
- Enforcaram uma velha agiota, em Bonsucesso. Temos um suspeito, mas não podemos provar nada contra ele. Esse suspeito, que está detido na vigésima primeira delegacia, é um sobrinho da vítima. Também temos uma testemunha que o acusa de ter assassinado a velha, para roubar o dinheiro do cofre.
- Ah! Essa testemunha viu alguma coisa?
- Aí é que está. Não vou, mas sentiu. A testemunha é um cego.
- Puxa! O caso é interessante, titio. Como é que um cego pode ser testemunha de vista?
- Eu não disse que ele é testemunha de vista. Mas suas declarações comprometem o rapaz. E o cego não teria interesse em acusar o suspeito se não estivesse certo do que diz. O diabo é que o rapaz acabou confessando que esteve no local do crime, mas nega ter enforcado a tia.
- Ele é o único herdeiro?
- Parece que sim.  A velha não tem outros parentes mais chegados. Morava sozinha e vivia de rendimentos e de emprestar dinheiro a juros.
- Comece pelo princípio, titio – pediu Zezinho, cruzando as pernas e ajeitando um cacho de cabelos negros que teimava em cair sobre os seus óculos.
- O caso é o seguinte: ontem à tarde, alguém ligou para a delegacia de Bonsucesso e comunicou que havia uma mulher morta, num pardieiro de um beco, na Avenida dos Democráticos. Uma patrulhinha, que estava nas proximidades, correu ao local e ali encontrou o corpo da Sra. Matilde Rezende. A polícia já a conhecia de nome e sabia que ela era agiota e avarenta, mas nunca a incomodou. É difícil provar que os agiotas estão agindo fora da lei. O corpo estava caído na sala da frente, que fazia as vezes de escritório. Alguém tinha entrado na casa, sempre fechada a sete chaves, e estrangulado a velha com uma corta de náilon. O cofre da sala estava aberto e vazio. Ora, a empregada jurou que a patroa tinha muito dinheiro naquele cofre.
- Ah! Então, temos uma empregada, hein?
- Sim. É uma outra velha, ausente na hora do crime. Tinha ido fazer comprar e só voltou quando a polícia já estava na casa. Ela disse que não sabia quem tinha ido visitar a patroa, mas afirmou que o sobrinho dela é um marginal, desempregado crônico, e andava de olho no dinheiro da tia...
- Nem todo desempregado é marginal, titio. Assim como nem   pistoleiro é bandido, pois a polícia também usa pistola... Roubaram tudo do cofre? Se a vítima emprestava dinheiro a juros, devia haver alguma promissória, ou vale, ou essas coisas que eu não conheço direito...
- Havia outros papéis, na sala, mas jogados no chão. O assassino deve ter obrigado a velha a abrir o cofre, para roubar o dinheiro. Só deixou os documentos.
- E onde é que entra o cego? – perguntou Zezinho, deleitado com a história. – O cego é um marginal, um camelô sem licença, que estava na entrada do beco. Alguns vizinhos o viram ali, com um cahcorro e um tabuleiro, desde manhã cedo.
- Nem todo camelô é marginal – repetiu Zezinho Sherlock. – A polícia tem o costume de dizer que o que não é direito está torto, mas há um exagero nisso... E o que foi que esse cego viu? Ou melhor: o que foi que ele pressentiu?
O dr. Quental apanhou um papel datilografado em cima da escrivaninha e consultou-o.
- Tenho aqui o depoimento do cego – disse, depois, mostrando o papel. – Ele estava vendendo bijuterias, na entrada do beco, acompanhado pelo cachorro. Quando os patrulheiros chegaram tentou fugir, com o tabuleiro na cabeça, mas um soldado o apanhou logo adiante. Ele pensava que fosse o “rapa”... Depois que o corpo da velha foi encontrado, o testemunho do cego tornou-se muito valioso.
- Por quê?
- Porque ele identificou o sobrinho da vítima, pelo perfume. Ouça o que ele diz – e o delegado passou a ler um trecho do papel datilografado. – “ A certa altura, ouvi uns passos pesados e um homem, usando um perfume de alfazema, passou por mim e entrou no beco. E sei que era um homem porque seus passos eram pesados , e ele pigarreou. Um minuto depois, senti uma outra vez o mesmo perfume e o homem passou por mim, andando muito depressa, descabelado, quase correndo, como se estivesse fugindo de alguma coisa. Aprendi a conhecer as pessoas pelos passos e pelo cheiro... Direitinho como o meu cachorro”.
- Exatamente. O rapaz tem vinte e cinco anos e não exerce nenhuma profissão. Já trabalhou como balconista de uma loja de ferragens, mas foi despedido há três anos. Quando foi detido, negou ter estado na casa da tia, mas o seu perfume o denunciou. Ele usa uma loção de lavanda inglesa.
- Certo – murmurou Zezinho. – Alfazema e lavanda inglesa é a mesma coisa... E depoisW O rapaz acabou confessano que esteve no pardieiro?
- Pois é. Acabou confessando. Mas disse que encontrou a porta aberta e a tia morta, na sala, com uma corda no pescoço. Então saiu correndo e telefonou para a polícia, mas não se identificou. O que é que você acha disso?
- Tudo me parece claro, titio – disse Zezinho Sherlock. – O sobrinho perfumado pode estar dizendo a verdade, pois o cego é um grande mentiroso!  [...]
Por que Zezinho chegou a essa conclusão?
(Helio de Soveral. Zezinho Sherlock em dez mistérios para resolver.
 Rio de Janeiro, Ediouro, 1986. P. 30-35)


ATIVIDADE

  1. Identifique os elementos narrativos:
  1. Enredo
  2. Personagens
  3. Espaço
  4. Tempo
  5. Tipo de narrador
  6. Foco narrativo
 2. O que o sobrenome de Zezinho tem a ver com o enredo?
3. O que deve ser desvendado na história?
4.Qual a pista que nos leva à solução do mistério?
5.Quem é o criminoso? Por quê?
6.Caracterize os personagens abaixo, descrevendo suas principais características:
  1. A vítima
  2. O sobrinho
  3. A testemunha


4 comentários:

  1. Preciso saber que tipo de narrador apresenta e quem é o criminoso?
    Obgda!
    Profª Ângela Beatriz Fabbro

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  2. Olá, Ângela! Desculpe a demora. Estou em meio à defesa de mestrado e quase não mais acessei o blog. Quanto ao criminoso, supostamente é o cego, pois em seu depoimento há uma contradição: "andando muito depressa, descabelado, quase correndo..." Se ele é cego, como disse que o homem estava descabelado?
    Quanto ao tipo de narrador é um observador, pois é a história de alguém sendo contada por outro alguém. Espero ter ajudado.

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